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Livro do movimento dos doentes do hospital da SCMB 1767-1778

Integrada no conjunto das 14 obras de Misericórdia espirituais e corporais, a assistência aos pobres e aos enfermos esteve presente, desde a sua fundação, na vida das Santas Casa da Misericórdia de Portugal.

Ora, a Santa Casa da Misericórdia de Barcelos tinha a seu cargo o Hospital da então Vila, sendo que os seus registos estão bem representados no espólio documental da instituição. O seu estudo configura, como expectável, um projeto individualizado, que identifique os enfermos, a sua proveniência, doenças, ritmos de entrada e tempos de hospitalização, taxas de mortalidade e de cura, entre muitas outras informações passíveis de extrair destes livros. E, tal como afirma Laurinda Abreu, com a criação das Misericórdias, a monarquia procurou não só garantir maior eficácia ao sistema de assistência pública como tentou controlá-lo.

Mas quem acudia aos hospitais de outrora? O estatuto destes indivíduos é incerto e demonstra que a pobreza é uma realidade em movimento, que não é estática. Evidencia ainda que uma faixa grande da população se encontrava num estado que podia com facilidade passar à condição de pobre. Só quando muito eram os pobres que aceitavam ser internados, preferindo as pessoas de maiores posses o tratamento domiciliário pelo médico. A exceção foram os soldados que, nas suas deslocações dentro do território, tinham de recorrer ao hospital mais próximo onde se encontrassem, quando nas imediações não houvesse um hospital militar.

Os hospitais de outrora proporcionavam, à sua época, os cuidados médicos possíveis, mas também uma refeição, cuidados de higiene e conforto que, em muitos casos, eram verdadeiras raridades na vida de muitos. Os seus registos são preciosos, dada a variedade de informações que nos deixaram, desde o nome do paciente, a proveniência, idade, as roupas que trazia e, em alguns casos, o calçado e alguns objetos, o dia de internamento e o dia de saída ou falecimento, medicamentos administrados, doença de que padecia e, em certos casos, a descrição das feições dos indivíduos, como o Livro que apresentamos. Aqui deixamos alguns exemplos:

 

Termo de Abertura do Livro de Movimento dos doentes do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos:

Este livro que se acha numerado e rubricado pelo muito reverendo Eusébio Fiúza de Faria, provedor da Santa Casa e hospital dela, há-de servir para nele se escreverem os assentos das entradas dos que se admitem a curar e dos que falecerem no mesmo hospital, cujos assentos fará ele o ,muito reverendo capelão-mor da mesma casa declarando neles o dia, mês e ano da entrada e saída, os nomes dos admitidos e dos seus domicílios e assistências com suas feições, vestuários que consigo trouxerem e o dia, mês e ano em que falecerem, com sacramentos ou sem eles e a causa porque se lhes não administraram, para que pedindo-se-lhe certidão de cada uma destas coisas, a passe conforme os assentos que do mesmo livro constar, com despacho do provedor que atualmente servir ou de que em seu nobre emprego substituir. Eu António José de Barbosa Truão escrivão da Santa Casa o escrevi e assinei em Barcelos nove de abril de 1767.

Maria Josefa desta vila de Barcelos entrou neste hospital aos 13 de outubro de 767 os seus sinais são os seguintes: cabelo louro, olhos azuis, redonda da cara, nariz ordinário; capa de baeta, uma vestia amarela e não continha mais nada. E para constar fiz este termo. O padre António de Miranda

FONTE: Arquivo Leonor, Livro do movimento dos doentes do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos 1767-1778, fl. 3

 

Baeta

tecido espesso e felpudo, de lã ou de algodão; pano usado para agasalhar crianças recém-nascidas; do latim badiu, «baio; trigueiro», pelo antigo picardo bayette, «pano castanho»

Quitéria Maria da Silva, mulher de Francisco Dias, desta vila foi admitida a este hospital aos 16 de novembro de 767, entrou nele com uma saia de baeta verde, uma capa de baeta preta, colete de camelão e para constar fiz este termo. O padre António de Miranda

FONTE: Arquivo Leonor, Livro do movimento dos doentes do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos 1767-1778, fl. 4

 

Camelão

Estofo grosseiro, impermeável, feito primitivamente com pelos de camelo – de onde deriva o nome –, depois substituído por pelo de cabra, lã e seda. Tecido de lã em trama. Pano de pelo de cabra.

Capa de saragoça

Rafael Rafira alemão pobre entrou neste hospital aos 18 de outubro de 767 de estatura ordinária muito grosso, alguma coisa ruivo e cabelo meio branco, olhos azuis, nariz rombo, trazia um capote velho de saragoça de que para constar fiz este termo era ut supra. O padre António de Miranda.

FONTE: Arquivo Leonor, Livro do movimento dos doentes do hospital da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos 1767-1778, fl. 3

 

Capote de Saragoça

Tecido grosso de lã, fabricado, primitivamente, na cidade espanhola de Saragoça.

 

BIBLIOGRAFIA

Abreu, Laurinda (2002). A especificidade do sistema de assistência pública português linhas estruturantes. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/61433991.pdf

Glossário Portas Adentro. Disponível em: http://www.portasadentro.ics.uminho.pt/c.asp

Pinto da Costa, Manuela. Glossário de termos têxteis e afins. Revista da Faculdade de Letras CIÊNCIAS E TÉCNICAS DO PATRIMÓNIO. Porto, 2004 I Série vol. III, pp. 137-161

Ferraz, Norberto Tiago Gonçalvez (2008). O tratamento de doentes no hospital de cabeceiras de basto (1896-1930). Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/2880986.pdf


SCM Barcelos, 15-12-2022

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