antonia-teresa-da-cunha-vilas-boas

Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas

Benfeitora da SCMB, Antónia Vilas Boas deixou, em testamento, um legado ao hospital desta instituição, expressamente “para curativo de pobres” Em tempos em que a proteção social era praticamente inexistente, a doação assumiu particular importância.

(N. Barcelos - meados do século XVIII - F. Barcelos - 6 de abril de 1788)

 

Senhora Dona, viúva de Constantino da Cunha Velho, o seu retrato a óleo apresenta-nos a benfeitora Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas da seguinte forma:

Uma senhora de meia idade, sobre um fundo negro, sentada em posição frontal, de olhar dirigido e expressão serena. Tem o cabelo preso à altura da nuca por uma fita laçada, usa vestido negro, coberto por uma capa e um lenço a envolver a gola. Com a mão direita segura um leque. Notoriamente a imagem, diríamos, aristocrática de alguém com certa posição social, residente na então vila de Barcelos. Não sabemos a data do seu nascimento, mas sim da sua morte, 6 de abril de 1788.

Se as mulheres não tivessem, como tinham, atributos de proprietárias e de testadoras iguais aos dos homens, como seria garantido o financiamento regular das Misericórdias sem as rendas das terras, fruto do trabalho conjunto de homens e mulheres? Elas tornaram-se personagens principais destas instituições caritativas, vistas por alguns historiadores como “palco onde se desenrola uma representação social ritualizada, envolvendo as classes sociais locais”.

Mas qual foi o papel de Antónia Teresa? Foi o legado que deixou em testamento à Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e cuja certidão se encontra no Livro I das doações, testamentos e legados da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, que passamos a transcrever e que pode ser consultado no Arquivo Leonor:

 

[Certidão do legado que deixou Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas ao hospital da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, no valor de cento e trinta mil réis]

 

Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas

Título 99

Dizem o provedor e irmãos da mesa da Santa Casa da Misericórdia desta vila de Barcelos que precisam que qualquer escrivão deste juízo, a quem for apresentado o título com que faleceu Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas, desta mesma vila, lhe passe por certidão o teor da verba em que deixa cento e trinta mil réis ao hospital desta vila para curativo dos pobres, a qual se acha a fl. 3 verso do mesmo título para o que

 

Para V. M.  se sirva mandar-lhe passar a dita certidão

 

E.R.M.[1]

João Álvares de Lucena tabelião do público e judicial e notas nesta vila de Barcelos e seu termo por Sua Majestade que Deus guarde certifico e faço certo que por José Luís de Sousa desta vila me foi apresentado o testamento com que faleceu Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas desta vila e nele a folhas três verso quase em fim da lauda entre outras deixas se acham a linha e verba do teor seguinte = Deixo cento e trinta mil réis ao hospital desta vila para curativo do[s] pobres = e não dizia mais a este respeito e vai continuando com outras deixas cujo testamento se acha aprovado (…) João Álvares de Lucena tabelião o escrevi.

(SINAL NOTARIAL)

[1] Sigla: então recebera mercê.

 

1

2

Fonte: Livro I das doações, testamentos e legados da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, que passamos a transcrever e que pode ser consultado no Arquivo Leonor

 

Deixa em testamento nada mais nada menos que cento e trinta mil réis! Uma fortuna para a época e, expressamente, para curativo de pobres que acorriam ao Hospital da Misericórdia, porquê? Em tempos em que a proteção social era praticamente inexistente a nível de governo central, a clientela hospitalar era na sua quase totalidade constituída por pobres ou pauperizáveis, o mesmo sucedendo no espaço europeu, como afirma Maria Antónia Lopes.

Tais conjunturas adversas eram frequentes e a miséria e o desamparo eram o destino de tantos populares na velhice, o que não quer dizer que, esporadicamente, não entrassem nos hospitais doentes a quem se reconhecia capacidade para pagar as suas despesas, em geral pessoas em jornada. No entanto, os custos eram elevados e cabia à gestão de cada Misericórdia zelar para que nada faltasse a todas as almas que, por um pouco de pão e agasalho ou por qualquer tipo de ferimento, batiam às portas dos hospitais.

Em muitos casos, tal como o que vos apresentamos, foram mulheres, ainda em plena vida ou no desvanecer dela, que contribuíram para que a caridade prevalecesse pelo tempo, especialmente depois das suas mortes.

Assim, pela morte e pelo seu registo de óbito, ficamos a saber um pouco da vida de Antónia Teresa da Cunha Vilas Boas:

 

Era moradora no campo do Salvador, minha freguesa, faleceu aos seis dias do mês abril de 1788 e foi sepultada na colegiada desta vila, no outro dia recebeu todos os Sacramentos e fez testamento e para constar fiz este assento e escrevi.

O coadjutor António José da Silveira

Na margem esquerda: 2200 missas

Dei conta ao provedor

 

Livro de registos de óbitos de Barcelos 1747-1808, fl. 87

Disponível em: http://pesquisa.adb.uminho.pt/viewer?id=1008168&FileID=922550

3

 

Bibliografia:

LOPES, Maria Antónia, (2010). Proteção social em Portugal na época moderna, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/30059


SCM Barcelos, 20 JANEIRO 2023