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As grades da Misericórdia. Assistência aos presos na SCMB

A sexta obra de misericórdia corporal – “Visitar os presos” – convida-nos a dirigir o olhar para Cristo, o Senhor, que esteve preso na noite anterior à Sua crucifixão, e assim viveu amargamente a privação de sua liberdade enquanto aguardava um julgamento e uma condenação absolutamente injustos e iníquos. Então, vê-se, neste ato de Jesus, um paradoxo, dado que, ao agir em total liberdade (Jo 10,18) ao entregar-se como um prisioneiro, liberta assim o homem do pecado.

Nesse sentido, destaca-se a recomendação da Carta aos Hebreus que, ao evocar o zelo pelos prisioneiros, convida-nos a servi-los como se fôssemos companheiros de sua prisão: “Lembrai-vos dos encarcerados, como se vós mesmos estivésseis presos com eles” (13,3).

O serviço das misericórdias para com os presos não se baseava somente na sua alimentação, mas também no acompanhamento do seu processo até à sua libertação ou, em muitos casos, até ao degredo. Segundo Alexandra Esteves, as misericórdias não só cuidavam do agasalho e do alimento dos presos pobres, mas também os amparavam na doença, davam andamento aos livramentos e auxiliavam-nos no cumprimento de algumas penas, como o degredo ou a pena capital. Este apoio estendia-se à hora da morte, sempre que os presos indigentes pereciam nas cadeias, tratando do enterro do corpo e da salvação das almas, através de missas.

Durante o Antigo Regime, segundo Marta Lobo de Araújo, os encarcerados esperavam longos tempos pelas decisões judiciais, onde as penas podiam ir desde os açoites, degredo e pena capital. Entretanto, enquanto padeciam a reclusão, estavam sujeitos à fome, frio, doença e outras adversidades para as quais não tinham defesa, caso não fossem as misericórdias a darem algum amparo nesta funesta passagem.

Segundo ainda a mesma autora, a população encarcerada variava entre órfãos, pequenos delinquentes, enjeitados, mulheres sozinhas, militares e civis, loucos, vagabundos e grandes delinquentes.

 

ARQUIVO LEONOR

Livro do Livramento dos presos pobres da cadeia da vila de Barcelos. Contém o nome, naturalidade e filiação.
Também contém lembrança das esmolas ordinárias concedidas pela Santa Casa.

[Fl. 1v]

Aos 28 de junho de 1744 foi admitida Joana, solteira, da freguesia de S. Silvestre de Requião pelo provedor e mais irmãos da mesa desta Santa Casa por mostrar por certidão de seu pároco sua pobreza e os mais requisitos na forma do compromisso e se livrar à custa e despesa desta Santa Casa e para constar a todo o tempo mandaram fazer este termo por mim frei José Luís Caetano de Faria e Matos escrivão da dita Santa Casa que este fiz e assinei com o provedor Baltasar Malheiro Reimão Dom Prior da Colegiada desta vila.

 

Livro do livramento dos presos

Livro do Livramento dos presos da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos 1715-1828. FONTE: Arquivo Leonor

 

[Fl. 41]

Aos 2 de julho de 1799 estando em mesa o provedor e mais dela abaixo assinados por lhes constar que se achava presa por culpa de devassa geral Teresa Maria, viúva de António da Silva de Santa Leocádia de Tamel, e que era pobre, se achava na prisão em desamparo, nem meios de puder livrar-se, lhe houveram por concedida a bandeirinha para se livrar por conta desta casa, e para constar mandaram fazer este termo.

 

Segundo Maria Gabriela Souza de Oliveira, definidas pelas Ordenações, os casos passíveis de devassa eram os seguintes: mortes, forças de mulheres que se queixarem que dormiram com elas carnalmente à força, fogos postos, moeda falsa, incêndios propositais, sobre fugida de presos, quebrantamento de cadeia, resistência, ofensa da Justiça, cárcere privado, furto de valia de marco de prata e daí para cima, arrancamento de arma em igreja ou procissão, ferimentos feitos à noite seja a ferida grande ou pequena; ferida no rosto ou aleijada de algum membro, ou sendo ferida com besta, espingarda, ou arcabuz seja de dia ou de noite e das assuadas.

As devassas gerais eram abertas pelos juízes de fora e ordinários e pelos corregedores nas correições. Já as devassas especiais eram de responsabilidade do juiz da localidade onde o crime fora cometido, isto é, “os corregedores das comarcas, os juízes ordinários e juízes de fora das cidades, vilas e seus termos.”

Na atualidade, destes tempos de provação restam-nos os vestígios da cadeia velha de Barcelos na hoje conhecida como Torre da Porta Nova e que foi Torre prisão desde finais do século XVI.

  

BIBLIOGRAFIA:

ESTEVES, Alexandra (2011). “As prisões do Alto Minho no século XIX: a ação das misericórdias”, In Revista da Misericórdia de Braga, nº 7, dezembro 2011, pp. 45-62

Disponível em:

http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/16187

 

ARAÚJO, Maria Marta Lobo de (1998). “Pobres nas malhas da lei: a assistência aos presos nas misericórdias de Vila Viçosa e Ponte de Lima”, In Cadernos do Noroeste, Vol. II (2), 1998, pp. 83-114

Disponível em:

https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/82095

 

OLIVEIRA; Maria Gabriela Souza (2014). O Rol das Culpas: Crimes e criminosos em Minas Gerais (1711 – 1745), Mariana: UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Disponível em:

https://www.repositorio.ufop.br/bitstream/123456789/7873/1/DISSERTA%C3%87%C3%83O_RolCulpasCrimes.pdf

 

Texto: Alexandra Vidal

SCM Barcelos, 16 FEVEREIRO 2023