Os fragmentos de pergaminho medievais e modernos foram desprezados durante séculos e só começaram a ser revalorizados a partir do século XX, graças a iniciativas individuais de alguns investigadores, como o Professor Saúl António Gomes com o Projeto FRAGMED.
Estes fragmentos de pergaminhos, muitas vezes, foram reutilizados como folhas de guarda ou de encadernação improvisada em manuscritos (códices e documentos avulsos) e impressos e abundam em todos os arquivos europeus, bem como em bibliotecas.
Em Portugal, existem largas centenas de encadernações com essas características nas Misericórdias, Câmaras, Conventos, Notários, Paróquias, deixando antever que a reconversão dos pergaminhos e códices medievais fosse um ato corriqueiro, sobretudo a partir dos séculos XVI a XVIII.
Há inclusivamente indícios da importação de França, da Flandres e de Castela de pergaminhos usados durante o século XVI, o que poderia explicar as centenas de pergaminhos em francês que se encontram nos arquivos.
Aqui temos um excelente exemplo de como um missal foi transformado numa capa do livro dos foros e cabedais, de inícios do século XVII este missal será certamente do período medieval. Contendo ainda vestígios de iniciais ornadas.
Este exemplo é de um pergaminho medieval, escrito em gótica cursiva, provavelmente um manuscrito francês, como nos propôs Pedro Pinto, a quem agradecemos o apoio nesta investigação.
Quando os pergaminhos são reutilizados para capas, a sua destruição não é, felizmente, inevitável, como evidenciou o mesmo historiador, pelo contrário, aumentam as possibilidades da sua sobrevivência.
O pergaminho reutilizado “renasce” para uma segunda vida, uma nova função, a de proteger um documento. Numa espécie de reciclagem que hoje nos pode deixar um pouco confusos, mas que nos elucida de como as questões de preservação do património foram mudando ao longo dos séculos.
Por sorte do tempo que vai passando e perseverança desta Casa, que os preserva, foi possível destacarmos este mês estas preciosidades de outrora.
BIBLIOGRAFIA:
GOMES, Saul António (2006). O Projeto FRAGMED: Corpus Portugaliae Fragmentorum. Biblos. II Série, IV, 355-358.
PINTO, Pedro (2019). Fragmentos do passado: capas de pergaminhos portugueses reutilizados no Arquivo Municipal de Loulé. In Atas do II Encontro de História de Loulé, Nelson Vaquinhas (coord.), 211-222. Disponível em https://www.academia.edu/40307252/Fragmentos_do_passado_capas_de_pergaminhos_portugueses_reutilizados_no_Arquivo_Municipal_de_Loul%C3%A9
STONEMAN, W. P. (1989). Medieval Manuscript Fragments at Princeton. The Princeton University Library Chronicle, 51(1), 91–101. https://doi.org/10.2307/26418750.
Disponível em https://www.jstor.org/stable/26418750
SCM Barcelos, 26 MARÇO 2025