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Livro dos acórdãos e eleições da SCMB 1584-1627

Há precisamente 438 anos, nesta Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, deu-se aquela que ficaria registada como a mais antiga tomada de posse, estávamos no ano de 1585, a dois de julho.

Quando as misericórdias portuguesas foram fundadas no final do século XV, o reino de Portugal conhecia bem as novas tendências da fé. À semelhança do que acontecia noutras regiões da Europa, existiam numerosas confrarias, tanto em territórios rurais como urbanos.

Foram os leigos, muito mais do que os eclesiásticos, o motor das grandes mudanças religiosas tardo-medievais. Estes treze oficiais seriam mais tarde designados por “mesa”, devido ao facto de se reunirem em torno de uma mesa própria para os cabidos confraternais.

Uma vez que os irmãos da Misericórdia não possuíam instituições próprias (como viriam mais tarde a administrar), era colocada uma ênfase especial na visita como momento privilegiado de compaixão pelo próximo. Visitar presos, mas também doentes e pobres em suas casas transformou-se numa das práticas mais correntes nas Misericórdias das primeiras décadas. A inspiração vinha mais uma vez do culto mariano: fora Maria que, já depois de lhe ser anunciado o nascimento de Cristo, visitara a sua prima Isabel, grávida de S. João Baptista e especialmente digna de compaixão devido à sua idade avançada. Este episódio, conhecido pela Visitação – que no calendário litúrgico ocorria a 2 de julho –, transformou-se no leitmotiv das Misericórdias e essa data no dia da irmandade, em que deviam ter lugar as mudanças de direção.

Antes da eleição propriamente, temos, no dia 2 de dezembro de 1584, a distribuição do serviço da Casa, que passava não apenas pela recolha das esmolas, mas também pelo pão, carne e peixe que tanto pobres, presos, leprosos e mais gentes aguardavam como único sustento. O cargo de irmão arrecadador, por exemplo, tinha a responsabilidade de supervisionar todas as arrecadações da Casa.

Já o irmão visitador geral tinha a incumbência de se inteirar se todos os que procuravam o hospital eram bem agasalhados e acolhidos e se seriam verdadeiramente necessitados. Quando ao registo das receitas e despesas, quer de pão (cereais) e dinheiro, ficaria a cargo do irmão tesoureiro.

Pela parte espiritual não podiam deixar de estar presentes a assistência às missas, a cargo do mordomo da capela, pelo que se pode depreender que ser irmão desta instituição acarretava uma grande responsabilidade e disponibilidade de cada um dos irmãos. Por exemplo, a Santa Casa não se limitava a alimentar os presos, mas também a seguir o seu processo até à sua libertação.

Um ano depois, a 2 de julho de 1585, os irmãos reúnem-se em cabido, toca a campainha e começa a eleição. Colocam as mãos sobre os Santos Evangelhos e juram votar conforme as suas consciências. No dia seguinte, 3 de julho, é eleito Francisco de Gouveia.

Este é o registo mais antigo que se encontra no Arquivo Leonor da eleição de um Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos, que recordamos a pretexto da tomada de posse, neste mês de janeiro, dos novos órgãos sociais para mais um mandato de 4 anos. Mudam-se os tempos, a obra continua!

 

Aqui apresentamos a transcrição das Atas que constam do Livro dos acórdãos e eleições da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos 1584-1627

 

[Fl. 2] Aos dois dias do mês de dezembro do ano de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos nesta vila de Barcelos pelo provedor e irmãos da Santa Casa e Confraria da Santa Misericórdia desta vila em cabido foi por eles conciliado e acordado que porquanto na comum obrigação que entre ele há no serviço desta Santa Irmandade por se terem uns aos outros ficam algumas vezes caindo em descuidos a que diziam atalhar porque o Senhor tem seja mais inteiramente servido e o governo da casa melhor ordenado e o trabalho bem repartido e também o merecimento por todos igual e participado e por todas estas razões e por outras que também acharam lhe pareceu bem ordenar como de facto ordenaram que o serviço e trabalho e obrigações dos ditos irmãos se repartisse pelos cinco que ficam depois do escrivão e trabalho de escrever o que sobre se ir ao ofício carrega e que todo o mais serviço tirado o cozer do pão e o comprara carne ou peixe e outras coisas que são necessárias para os confrades e presos e lázaros e pobres [Fl. 2v] e outras despesas que se fizerem porque estas coisas tais ficam reservadas para os mordomos dos meses com a mais obrigação que hão-de ter de recolher todo o pão e dinheiro que lhes for dado para entregar ao tesoureiro e fazer carregar sobre ele e também de assistir às missas e salvas que na casa se disserem da obrigação dela porque ainda que isto também particularmente ir carregado sobre outrem todavia como quer que os ditos mordomos dos meses no tempo em que servirem hã-de ter as chaves da casa necessariamente se devem achar presentes ao sobredito. E todo o mais serviço repartirão em cinco ofícios da maneira seguinte para que enquanto uns trabalharem outros não olhem porque os pares é justo e razão que uns ajudem aos outros para que todos mereçam.

Primeiramente que um dos ditos irmãos até ao fim do ano sirva de solicitador dos prazos do rol da casa sobre o qual carregará a obrigação de seus livramentos até finalmente serem despachados e soltos e deve o que este carrego tiver com muita diligência e boa vontade servir este ofício porque nele fará muito serviço ao Senhor Deus

 

[Fl. 3] assim por tirar os pobres presos de seu trabalho e prisão como também no proveito que faz a casa em lhe redimir o gasto que com os ditos presos faz.

Item que outro irmão sirva de mordomo da capela o qual terá particular cuidado e obrigação de assistir às missas e salvas e mais ofícios divinos que na dita casa se fizerem da obrigação dela e procurar que as missas de que a casa tem obrigação se digam nos dias e tempos limitados e que não consintam que os capelães mudem nenhuma missa de um dia para outro nem de uma semana para outra nem de um mês para outro porque em consciência não se pode fazer, antes se cometerá nisso grande erro. E com muita diligência deve ordenar que todas as missas e mais serviços dos capelães se cumpram inteiramente conforme a sua obrigação e ordem que está descrita no fim do livro dos ditos capelães da casa e deve o que este carrego tiver com muita diligência e cuidado fazer com que todo o que tocar ao culto divino se cumpra inteiramente porque nisso fará grande serviço ao Senhor Deus e bem às almas. E assim fará carregar as revelias sobre os capelães que nelas incorrerem.

 

[Fl. 3v] Item outro dos ditos irmãos sirva de arrecadador sobre o qual carregará particularmente o carrego de fazer vir a boa arrecadação tudo o que à casa pertencer por qualquer via que seja todo fazer arrecadar inteiramente e todo fazer carregar sobre o tesoureiro no título de sua receita o que tudo deve fazer com muita diligência e cuidado porque nisso fará grande serviço a Nosso Senhor assim porque a casa seja servida do seu como também porque as necessidades da casa possam melhor remediar.

Item que outro irmão sirva de visitador geral da casa e do mais que a ela pertencer e que veja e saiba se no hospital são os pobres e passageiros bem agasalhados e a limpeza com que se serve o dito hospital e ter especial cuidado de saber todo o  de que a casa tem ou tiver necessidade para bem e serviço da casa e pobres e presos e lázaros e de todo dar verdadeira informação e razão ao provedor e mais irmãos para em tudo se prover com melhor e mais serviço de Deus seja e porque para se haverem de admitir alguns pobres e presos ao rol dos pobres da casa a sua informação há-de ser a principal, deve o irmão que este carrego tiver com muita diligência e cuidado saber inteiramente da pobreza e ne [Fl. 4] cesidade dos tais pobres para que a casa fique desenganada e a sua consciência dos mais irmãos desencarregados e fazendo-o como deve neste carrego, fará grande serviço ao Senhor Deus e à Virgem Nossa Senhora.

Item que outro dos ditos irmãos sirva de tesoureiro sobre o qual carregará toda a receita e despesa do pão e dinheiro inteiramente de que no fim do ano lhe será tomado conta e a todos no dia do juízo e por assim o terem ordenado e para que o ofício se dê a cada um o qual que mais convenientemente lhe caiba. Disseram e assentaram que o provedor com o escrivão repartisse os ditos ofícios e carregos e nomeasse a cada um o que deve servir, atentando primeiro à pessoa e ofício que lhe arma para que todos vêm cumpram com sua obrigação e serviço que o Senhor pagará.[1]

Item aos nove dias do mês de dezembro de mil e quinhentos e oitenta e quatro anos estando o provedor e irmãos em cabido foi por todos assentado que a ordem atrás declarada fosse cumprida, assim da maneira que nela está declarado e logo pelo provedor foi dado carrego de solicitador dos presos a Gomes Ferreira por lhe parecer que a ele mais convinha o dito carrego.

 

[Fl. 4v] Item mais carregou de mordomo da capela António Nogueira por lhe parecer que nele estava bem, conforme a ordem atrás.

Item mais carregou a Afonso de Matos o ofício de visitador do hospital e casa e do mais que a ela pertence conforme ao capítulo atrás que trata do que há-de fazer.

Item mais carregou a Vicente Rodrigues para ser arrecadador dos foros e rendas do hospital e todo o mais que à dita casa pertencer conforme ao capítulo atrás que trata do que sobre ele carregou.

Item carregou a Gaspar Ferreira de tesoureiro das sobreditas rendas como já está carregado e assim da despesa da dita casa que todo lhe há-de ser tomada conta conforme ao capítulo atrás.

E todos assim houveram por carregados da maneira que atrás fica declarado e todos o assinaram digo aceitaram e lhes deu juramento dos Santos Evangelhos, sob carrego do qual lhes mandou que bem e verdadeiramente, quanto possível for, cumpram com

 

[Fl. 5] a obrigação que sobre eles e cada um deles carregam e eles prometeram assim o fazer e assinaram todos. E eu Diogo de Vilas Boas escrivão da casa o escrevi.

 

(ASSINADO:)

O PROVEDOR MANUEL BARBOSA

GOMES FERREIRA

ANTÓNIO (cruz) PIRES

ANTÓNIO NOGUEIRA DE CARVALHO

JOÃO VAZ

BENTO MARTINS

JOÃO (cruz) GONÇALVES

GASPAR DA CANA

DIOGO DE VILAS BOAS

 

[Fl. 6]

Aos dois dias do mês de julho de mil e quinhentos e oitenta e cinco anos que foi dia de Nossa Senhora da Visitação, na igreja da Casa da Misericórdia desta vila de Barcelos estando ai juntos Manuel Barbosa, provedor da dita casa e os mais irmãos dos treze para se fazer eleição dos eleitos, para elegerem provedor e irmãos que hajam de servir a dita casa este ano presente de mil e quinhentos e oitenta e cinco anos. E logo pelo dito provedor e mais irmãos foi mandado tanger a campainha pela vila para serem juntos todos os irmãos do cento desta confraria, para darem seus votos aos ditos eleitos, conforme ao estatuto e sendo juntas muitas pessoas ao som da dita campainha, eu escrivão com o capelão Baltazar Gonçalves nos apartamos, eu e o dito capelão na casa da sacristia da dita casa e o dito capelão deu juramento dos Santos Evangelhos aos ditos irmãos do cento para que bem e verdadeiramente votassem nas pessoas para fazerem os eleitos, conforme a suas consciências. E eu Diogo de Vilas Boas escrivão da casa o escrevi.

E logo se fez a eleição seguinte

Item Lopo de Almeida

Item Gaspar Pereira

 

[Fl. 6v]

Item Amador Garcia

Item António de Andrade

Item João Vaz

Item Diogo Pereira

Item Francisco de Gouveia

Item Diogo de Amorim

Item Gomes Ferreira

Item Baltasar Pires

Item Manuel Barbosa

Item João Machado

Item Diogo de Faria

Item João Gonçalves

Item António Nogueira

Item João Monteiro

Item Bento Martins

Item João Gonçalves

Item Vicente Rodrigues

Item Baltasar Cicio, o velho

Item António da Costa Homem

Item Diogo Dias ferreiro

Item António Pires sapateiro

Item António Rodrigues vendeiro

Item Domingos Vaz

Item Miguel Machado

 

FOTO 1

 

[Fl. 7]

Item Jerónimo Gonçalves

Item João Lopes de Abreu

Item o doutor Gonçalo Fernandes

Item António de Faria

Item Henrique Leitão

Item Diogo Pires

Item Gonçalo Carvalho

Item Tomé Gonçalves

Item Baltasar de Faria

Item Afonso de Matos

Item António de Barcelos

Item João de Benevides

Item Afonso Antão

Item Gaspar Nogueira

Item Bernardo Correa

Item Diogo do Rego

Item Bento de Moura

Item Pedro Brás

Item Baltasar Machado

Item Manuel de Faria Arva

Item Afonso Fernandes

Item o licenciado Tomé de Mesquita

Item Pedro de Gouveia

 

[Fl. 7v]

E tomados assim os ditos votos dos irmãos que se acharam presentes, em que todos puseram as mãos no livro dos Evangelhos e que prometeram nomear as pessoas autas e suficientes, o dito Baltasar Gonçalves, capelão da casa e Manuel Barbosa provedor, comigo escrivão e limpa a pauta atrás, achou-se levarem os mais votos os seguintes

 

Item Lopo de Almeida

Item Amador Garcia

Item António de Andrade

Item o licenciado Diogo Pereira

Item Manuel Barbosa

Item Pedro de Faria

Item João Monteiro

Item Bento Martins

Item Jerónimo Gonçalves

Item o doutor Gonçalo Fernandes

 

Os quais eleitores acima nomeados foram chamados e lhes foi dado juramento dos Santos Evangelhos por mim escrivão, conforme o estatuto admoestando-lhes que escolhessem treze pessoas

 

[Fl. 8]

Treze pessoas uma para provedor e um escrivão e cinco irmãos de maior condição e seis oficiais mecânicos por irmãos para servirem este ano daqui em diante conforme ao estatuto humildes e de suas consciências a que todo prometeram fazer sob carrego do dito juramento que por mim lhes foi dado e assinaram aqui todos. E eu Diogo de Vilas Boas escrivão da casa o escrevi.

 

(ASSINADO:)

 

O provedor Manuel Barbosa

Pedro de Faria Mariz

Lopo de Almeida

Andrade

Amador Garcia

Diogo Pereira

 

 

Aos três dias do mês de julho de mil e quinhentos e oitenta e cinco anos na igreja da Misericórdia desta vila estando aí Manuel Barbosa provedor do ano atrás e Baltasar Gonçalves capelão e os mais irmãos do ano atrás e lhes foram

 

[Fl. 8v]

 

apresentados cinco róis dos eleitos e juntos em mesa pelo provedor e capelão e mais oficiais e limpos achou-se em três róis Francisco de Gouveia nomeado por provedor por onde ficou apurado por levar mais votos e saiu por escrivão Manuel de Faria Mariz da Rua por levar três votos e os mais cada dois votos que foram Gomes Ferreira, Baltasar Machado, Diogo de Amorim, Quinteiro e por irmãos de oficiais João Vaz, Tomé Gonçalves, António Pires, Amador Garcia, Manuel Álvares, Afonso Fernandes, os quais assim o provedor e escrivão como os mais acima nomeados foram chamados e lhes foi dado juramento dos Santos Evangelhos, com o qual prometeram cumprir as condições do estatuto e guardar e cumprir as obras da Misericórdia e o assinaram hoje três de julho do sobredito ano. Escrivão Diogo Vilas Boas que o escrevi.

(ASSINADO:

O PROVEDOR MANUEL BARBOSA

MACHADO

BALTASAR GONÇALVES

MANUEL DE FARIA MARIZ

VILAS BOAS

 

[Fl. 9]

 

JOÃO VAZ

GOMES FERREIRA

AMADOR GARCIA

GASPAR PEREIRA DA CANA

MANUEL ÁLVARES

ANTÓNIO PIRES

FRANCISCO DE GOUVEIA

MANUEL DE FARIA QUINTEIRO

BENTO DE MOURA

TOMÉ GONÇALVES

FARIA

AFONSO FERNANDES

 

[1] Na margem esquerda: isto não.


SCM Barcelos, 24-01-2023

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