“Quando se faz o Tombo do Hospital do Espírito Santo, em 1499, diz-se que a Misericórdia já existia. Ou seja, a Misericórdia não é de 1500, mas de 1499”. A revelação foi feita, no colóquio “521 anos da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e uma visão para o futuro”, por Isabel dos Guimarães Sá. A professora e investigadora da Universidade do Minho analisou documentação da época – concretamente, o original do Tombo da Gafaria e do Hospital de Barcelos – que permitiu assegurar, na sua intervenção, que “hoje sabemos e temos comprovativos de que [a Misericórdia de Barcelos] já existia no início de 1499”.
Esta informação faz-nos crer que a Santa Casa da Misericórdia de Barcelos (SCMB) é, então, mais antiga do que se julgava, esclarecendo a dúvida que existia quanto à fundação da instituição.
O colóquio “521 anos da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e uma visão para o futuro” decorreu, ontem, no Auditório da Misericórdia de Barcelos e contou com a participação de especialistas e investigadores da área do património e dos arquivos, numa reflexão sobre a importância e significado da preservação da história das instituições e do seu património documental, tornando-o, ainda, acessível a todos.
O Arquivo Leonor e a projeção do património cultural
A Misericórdia de Barcelos possui “um acervo com um valor patrimonial, que não tem só a ver com a Misericórdia, mas com a cidade e também com a região”, disse Jorge Brandão Pereira, professor e investigador do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), que participou também no colóquio “521 anos da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e uma visão para o futuro”. O investigador António Afonso acrescentou que “a documentação que a Santa Casa tem é uma mais valia para a região e para o país”, em termos culturais, científicos e pedagógicos.
Os testemunhos foram partilhados na mesa-redonda “À conversa em torno do papel do Arquivo Leonor na salvaguarda do património documental das Misericórdias: possibilidades e desafios”, um momento de reflexão acerca da importância dos arquivos, tomando o exemplo do Arquivo Leonor, marca registada pela instituição neste ano 2021, desde logo para comunicar de modo mais eficaz o arquivo histórico da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos e alavancar este património documental.
Trata-se de “um arquivo documental fabuloso, exemplar, muito bem cuidado”, nas palavras de Jorge Brandão Pereira, professor da Escola Superior de Design do IPCA, que, desde 2019, tem trabalhado em parceria com a SCMB. O investigador notou que “há trabalho para fazer, mas há um grande caminho que já foi feito”. E, nos últimos meses, foi inclusivamente realizado um trabalho conjunto com estudantes, nacionais e internacionais, que frequentam o IPCA, na área do Design.
“O valor dos arquivos é incomensurável”, nas palavras de António Sousa, diretor do Arquivo Distrital de Braga, uma unidade cultural da Universidade do Minho, com a qual a SCMB tem também trabalhado em colaboração. O arquivista disse até, em jeito de brincadeira: “Não tenhamos dúvidas que um arquivo vale mais do que as pernas do Cristiano Ronaldo”. E, de modo elucidativo, clarificou: “Imaginemos que, um dia, desaparecia tudo o que é a SCMB menos o seu arquivo. Quem viesse, poderia retomar todo o espírito e toda a missão, alicerçado no arquivo da SCMB. […] O seu arquivo descreve, diz o que foi e permite outras leituras e outras interpretações”.
Mas, notou Isabel dos Guimarães Sá, “as fontes históricas nem sempre são escritas”. A professora e investigadora da Universidade do Minho atentou na “sequência de retratos absolutamente fabulosa e que está toda exposta”. “A partir daí, as pessoas podem fazer estudos, identificar os doadores, os artistas que estão por detrás desses retratos, o discurso por detrás da representação”, completou.
Ao longo de todo o dia, de resto, os especialistas presentes salientaram a importância de cuidar e de preservar os arquivos – e o património, de um modo geral –, trabalho esse, acredita Mariano Cabaço, da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), que depende da “sensibilidade de quem está a dirigir as Misericórdias”. O responsável pelo gabinete “Património Cultural” da UMP atentou que “a Cultura e o Património não são o core [business] principal das Misericórdias, mas, sem estes, as outras não vinham”.
Nesse sentido, já o provedor da Misericórdia de Barcelos, Nuno Reis, tinha lembrado: “Quando colocamos, na visão institucional, a salvaguarda do património, não apenas o material, mas também o imaterial, queríamos naturalmente prestar homenagem a todo o passado de uma instituição penta-secular, mas, sobretudo, conseguir, a partir desse passado, interpretar melhor o presente, projetar o futuro e construir uma instituição cada vez mais forte, cada vez mais pujante, para servir as necessidades que precisam de uma Misericórdia”.
SCM Barcelos, 11-09-2021